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Preciso tirar foto pra me amar de verdade?

Aceitação do corpo tem a ver com fazer fotos dele? Leia a coluna de Jéssica Quadros sobre o assunto!

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Preciso tirar fotos do meu corpo pra me amar de verdade?

Nunca amei meu corpo e nunca tirei muitas fotos. Mas preciso mesmo tirar foto para me amar de verdade? Na minha mente, essas duas ”verdades” estavam intimamente ligadas, logo, quando eu estivesse bem com minha imagem, teria mais registros do meu eu, em sua melhor versão. Só que isso não se provou uma verdade para mim. Aliás, se uma mentira repetidas vezes se torna uma verdade, o conceito de verdade pra mim tem lá seus questionamentos. 

Com 4 anos de trabalho em busca de ler, ouvir histórias e estudar a formação de ideias e narrativas sobre corpo (principalmente o feminino) na sociedade, posso afirmar que isso acontece com muitas pessoas (principalmente mulheres). Por isso, resolvi trazer aqui algo que descobri dentro de uma análise individual que pode servir pra você: estar em paz consigo mesma e com a sua aparência não te libera automaticamente para se sentir extremamente confortável na frente de uma lente.

Vou partir da minha base em teoria de mídias e comunicação como boa jornalista. Fotografia é um tipo de mídia, certo? Então, ela é uma representação, um registro que narra sozinho sua própria história. Ao longo do tempo, uma foto pode até ter significados diferentes, resgatar sentimentos diferentes, mesmo sendo a mesma foto – assim como os vídeos. O que possibilita até a construção de uma nova realidade. Você viu a série WandaVision (Disney, 2021)? Lembra qual recurso eles usaram no início para mostrar os protagonistas vivendo outras realidades? As mídias são fábricas de histórias e sonhos.

Não é todo mundo que se sente confortável com um eu registrado, imutável e recortado no tempo. Você pode mudar, mas o registro vai tá lá, do jeito que ele é. Uma foto é capaz de datar uma memória, inclusive hoje, com a internet, uma memória que não mais nos pertence. Como assim? Simples desse jeito: o digital (agora não só as fotos, mas os vídeos também) pertence à nuvem. Estão na memória dos eletrônicos. Não é como um álbum de fotos e porta-retratos guardados na casa da sua avó. 

Logo, querendo ou não, tendo consciência ou não, essa tutela da sua vida em imagens não está somente na palma da sua mão. Antes, se ver em uma fotografia era um processo que possuía quase um ritual de espera até a famosa revelação do filme. Sem contar que os momentos eram selecionados, com número de fotos específico, porque o filme simplesmente… acabava! 

Atualmente, a qualquer momento, em qualquer situação, um celular pode ser levantado com uma câmera a postos. Aí pergunto de novo, de outra forma: existe domínio sobre essas representações e possibilidades de representações suas? É possível não querer isso nessa sociedade em que viver se tornou um espetáculo transmitido ao vivo?

Aí é que a cabeça explode. Já vi diversos comentários de mulheres que duvidam da sua autoestima porque não estão confortáveis de aparecer em fotos, vídeos, stories e por aí vai. Uma das várias reflexões que faço sobre esse recorte é: por que a tranquilidade de estar na frente de uma câmera é tão determinante para se provar como bem-resolvida com o próprio corpo? Pra você, é a sua imagem que determina quem você é?

Passando agora para o recorte mulher, a gente ganha ainda mais pontos de reflexão. A mulher, como ser social, é criada para correr atrás da beleza, vivendo com medo de ser ou aparentar ser feia. Conceito esse que tem seu auge midiático na representação e exposição da sua imagem. Assim, faz sentido esses questionamentos por conta das expectativas que caem sobre nós… Se não sou reconhecida como bonita, pra que preciso registrar minha imagem? Pra me sentir mal?

Fora todos os estereótipos lidos como verdades: pouca maquiagem é desleixada; muita maquiagem, exibida; muita roupa é antiquada; pouca roupa, tá querendo aparecer. Por aí vai um caminho sem fim de estigmas e pré-ocupações sobre ser e estar que em muitos casos nos afasta dessa “segurança” e vontade frente aos registros de nós mesmas. É difícil estar à vontade quando a capa de revista é ainda hoje um troféu de sucesso e reconhecimento do “ser bonita”. 

Assim, voltando pra relação entre se sentir bem consigo mesma e tirar foto, vale lembrar que sim, pode sim estar diretamente ligado. Inclusive nessa nova onda Corpo Livre, o mundo da moda e da influência digital ganhou diversidade de corpos a partir dessa quebra de sistema. Mas existem outros limites que podem prevalecer sobre esse desconforto e aqui dei um passeio por alguns deles que fizeram parte de um processo individual de análise. 

Você vai me perguntar: então, você gosta ou não gosta de tirar foto hoje? Vou te contar que pra mim é indiferente. Hoje me enxergo muito além da aparência e tem coisas muito mais importantes sobre mim que alimentam minha autoestima. Se te tocar de alguma forma essa divagação, permita-se continuar questionando. Seu corpo é o auge da sua realização como mulher? Na frente ou atrás das câmeras, seguir modelos de pensamento é muito chato. A dúvida liberta… ou não? 

Foto de capa: Adobe Stock

Alexandra Gurgel

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