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“Contei para a minha mãe que sou gay”

Contém momentos de dor, deixo isso bem claro para que a romantização não ocorra. Tempo de leitura longa, mas gostosinha.

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Contei para minha mãe que sou gay: leia a coluna de Hugo Vasconcelos

Sonhamos com um mundo em que a nossa sexualidade, no mínimo, não seja uma questão. Mas, para quem é gay e/ou foge da caixinha cis/heterossexual, ainda é um momento. Por isso, nossos pensamentos vão a milhares de quilômetros por hora.

Pensamos em diversas formas e nos milhares resultados e como solucionar cada um. Cada um com suas excentricidades, voltadas à busca do mesmo resultado: sermos respeitados por amar.

“Em um consenso feito em silêncio, todos fingiam não perceber”

Nasci em um berço evangélico, com mãe ministra e avó pastora, e sendo o neto primogênito. Assim, diversas expectativas foram embutidas a mim, antes do meu primeiro choro. Até mesmo o tamanho da minha “pistola”, nos exames de ultrassons, indicava que seria o “terror das meninas”. Mas, eu cresci, para a decepção de muitos, viado.

Notável aos olhos de qualquer um, claramente eu não supriria as expectativas alimentadas após a descoberta do meu gênero – pelo menos não com quem almejavam. Em um consenso feito em silêncio, todos fingiam não perceber que eu era gay. Um segredo de Estado que alimentavam expectativas de solução.

Da “fase gay” para se tornar hétero: “Tentaram me converter”

A dita “fase” estava se tornando longa demais. Por isso, tentaram me converter em hétero. Oravam por mim, sem apontar pelo que. Dentro da minha casa, um pastor apontou um demônio dentro de mim. Na época, eu me culpava muito.

Era muito assíduo à igreja, participava de tudo. Mas, como vocês podem imaginar, homossexuais eram sempre associados aos demônios, como algo sujo e promíscuo. Falavam coisas que me faziam temer, principalmente pela decepção e pelo receio de parar queimando no inferno.

A igreja embutiu culpa em mim. Assim, por muito tempo, eu me ajoelhei pedindo a Deus que retirasse aqueles pensamentos e desejos. Não queria decepcioná-Lo. Nem a minha família. Não queria sentir dor queimando pela eternidade.

Minha mente era tão preenchida por aqueles pensamentos, que pensei em formas de retirar a minha vida para que cessasse. Afinal de contas, já estava condicionado às piores dores do mundo, me retirar desse plano seria apenas mais um pecado, que no meu pensamento, era “menor”.

“Fui batizado, mas o interesse permaneceu”

O único suspiro dado a mim pela igreja foi no batismo. Que, ao aceitar Ele como seu único salvador e banhar nas águas, todos seus pecados seriam perdoados. Meus ouvidos não foram capazes de ouvir o resto do contrato, só queria ser perdoado.

Por isso, em todo o processo, meus pensamentos se concentravam em dizer que O aceitava, para ser purificado e finalmente deixar de ser gay e me interessar por homens. Iria testemunhar na igreja dizendo que havia sido livrado. Fui batizado, mas o interesse permaneceu. Me culpei pelos desejos não terem acabado. Não me senti digno do perdão. Assim, como castigo, iria permanecer no pecado e teria que arcar com as consequências.

Era uma batalha silenciosa. Até que, retornando do culto de jovens, alguém me chamou de viado durante o caminho. Voltávamos para casa juntos, um deles se indignou e contou para minha mãe. Pela primeira vez, minha mãe me bateu. Ela gritava que eu não poderia ser gay, que aquilo não era bem visto aos olhos de Deus. Por outro lado, chorando, eu gritava dizendo que não era.

“Soube ali como seria a reação da minha mãe”

Chorei por muito tempo, por diversos motivos. Soube ali como seria a reação da minha mãe se eu pedisse ajuda e, naquele momento, tive a certeza que alguma noção sobre ela contia. Até que colocaram internet na minha casa para as pesquisas de escola. O Google prometia ter resposta para tudo. Por isso, minha primeira pesquisa foi entender a minha falta de interesse por mulheres.

Encontrei um canal no YouTube chamado “Canal das Bee”, que produziam conteúdos voltados à comunidade LGBTQIA+. Pela primeira vez, ouvi que não era um pecado amar da minha forma. Eles tinham uma comunidade secreta no Facebook, para que outras pessoas como eu pudessem se apoiar – aquilo me fortaleceu. Nunca mais fui à igreja.

“Ainda não me sentia seguro em contar que era gay”

Anos se passaram. Me entendi como homossexual. Me aceitei. Já havia me revoltado com o mundo. Me tornei Ativista Social para colaboração da implementação na promoção e proteção dos Direitos Humanos. Abri um coletivo chamado “Pride”, que visa pelo direito internacional a proteger a comunidade, a vida, a segurança pessoal e a liberdade contra a tortura e os maus-tratos.

Aceitei um convite da Organização das Nações Unidas para me juntar ao time de ativistas para elaborações de medidas globais de proteção. Ainda não me sentia seguro em contar que era gay para minha mãe, mesmo tendo contado para muitas pessoas que amo, como parte da minha família e amigos. Aquele dia me assombrava.

“Nosso único contato com a minha sexualidade foi quando ela me bateu”

Entrei para essa coluna na qual vos escrevo. Disse para minha mãe sobre estar escrevendo. Como professora, minha mãe estava orgulhosa e queria ler. Eu não tinha me atentado que, ao contar que estava escrevendo, surgiria o interesse em ler. Logo o texto que relata minha visão sobre o amor.

Até então, nosso único contato com a minha sexualidade havia sido quando ela me bateu – eu tinha medo de um novo episódio negativo. Disso, para desviar a atenção da escrita, contei que estava conhecendo alguém e que estava me fazendo bem.

Começamos a conversar sobre, queria saber quem era, eu disse que era muito recente para contar. Esporadicamente, ela retornava ao assunto e conversamos sobre sem associar a um gênero. Até que me pediu uma foto. Perguntei a ela por diversas vezes se ela estava preparada para ver, ela me
dizia que sim, que estava pronta.

Estava muito receoso encaminhar, até que a seguinte mensagem chegou “se você está feliz, eu estou feliz”. Encaminhei a foto. A resposta foi “bonitão”. Em seguida, me encheu de conselhos. Disse que já sabia que eu era gay. Pediu para que tomasse cuidado e que me amava.

“O meu testemunho sobre ser gay se dá aqui coberto de privilégios”

Demorou 23 anos para que, no dia 20 de janeiro de 2022, conversasse pela primeira vez com a minha mãe sem nada a esconder, falando sobre amor. Foi um processo cruel com um final aliviador. Que infelizmente, para muitos, com finais trágicos. Muitos são expulsos de suas casas e até mesmo agredidos até a morte.

O meu testemunho sobre ser gay, que não ocorreu após meu batismo, se dá aqui coberto de privilégios. Atualmente, tenho uma estrutura que me possibilita contar a minha mãe sobre minha sexualidade e colocar em risco apenas a nossa relação – que me doeria muito perder. Mas continuaria a comer, ter um teto e demais necessidades intactas. Eu precisei disso para contar. Caso você também precise, indico que faça o mesmo.

“Você precisa do seu tempo, assim como as pessoas que amamos”

Ainda não me sinto preparado para contar que sou gay para meu avô e meu pai. São as únicas pessoas do mundo que não receberam essa confirmação. São outros processos a serem percorridos. Futuros textos a serem escritos aqui. Talvez eu nunca conte. Existem pessoas que não estão preparadas a receber certas informações.

Caso você não tenha a vontade de contar, tudo bem. É uma escolha nossa, caso tenhamos vontade. Se você ainda não está preparado e te colocarem na parede, negue. Você precisa do seu tempo, assim como as pessoas que amamos também irão precisar. Se abasteça na sua rede de apoio e seja feliz. Merecemos ser amados e por favor: não se culpe!

Mãe, imagino que a senhora esteja aos prantos lendo esse texto. Está tudo bem. Eu amo a senhora. Eu passei por esse processo de cura. Por muito tempo me doeu. Eu sei que passou pelo o seu também. Hoje interpreto aqueles tapas de diversas formas, sem romantizá-los, mas sei que a senhora preferiu que os tapas fossem seus, aos de que um estranho que me espancasse. Estou muito contente pela nossa conversa e por ter me aberto e poder compartilhar que estou amando. Feliz pela a senhora me amar e me entender. Obrigado pelo seu apoio e cuidado. Eu te amo.

Foto de capa: Pexels

Hugo Vasconcelos

Prazer, me chamo Hugo. Sou Ativista Social em busca pela implementação e proteção dos Direitos Humanos. Fundador do coletivo Pride, em parceria com a Nações Unidas. Nesse espaço, compartilho pensamentos para mediar as nossas conversas.

Prazer, me chamo Hugo. Sou Ativista Social em busca pela implementação e proteção dos Direitos Humanos. Fundador do coletivo Pride, em parceria com a Nações Unidas. Nesse espaço, compartilho pensamentos para mediar as nossas conversas.

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